Esqueceu de pendurar a toalha no varal? Esqueceu alguma data importante? Falou algo terrível? Mas ele mal conversou com ela... será que era isso então? O silêncio em troca da ausência? Mas o silêncio era a forma rotineira deles se tocarem, como se despediam.
A dimensão da travessia era exasperante. O guarda-chuva, além de pesado, estava cheio de furos. Uma vareta que se desprendeu conduzia a água até seu pulso, invadindo a manga do paletó. O homem atravessava a rua da vergonha, fitando seu próprio olhar no reflexo dinâmico dos espelhos formados pela chuva da noite passada. Sentia-se perseguido, as ruas o olhavam com desprezo e desconfiança. O que ele fez de tão ruim ontem, para ter o olhar cruel dela logo pela manhã...? Ela o olhou de uma forma mais agressiva que o tiro.
Ela já deveria saber da arma. Ele cuidava para que nada estivesse à vista, mesmo quando chegava bêbado do serviço. Ainda assim, ela fingia que não sabia de nada.
O pássaro, que todos os dias vinha dar boa tarde, e a quem ela cuidadosamente espalhava as migalhas de pão, não cantaria mais. Foi o prelúdio da ruína: tudo calou-se. Ela não acreditava nas evidências: sujeira e sangue. O pássaro era seu, um anônimo amante. Aquele que vinha fielmente todas as tardes buscar as migalhas que ela pegava do marido, e que ele tão cordialmente acolhia. E tudo acabou num instante.
Nenhuma palavra. Nada, nem o olhar falava mais. O silêncio era mais cortante que o mais agudo dos gritos, perdurou tanto tempo que ele se esqueceu. Apenas vagava sem rumo, escutando o barulho das poças pisoteadas. O céu chorou durante toda a noite, mas ela não derramou uma lágrima. Não precisava.
Ao passar pela pecuária, viu alguns pássaros na gaiola. Então entendeu! Ao matar o pássaro, foi a ela que matara. A alegria que ela tinha vinha do canto das tardes. Era no pôr-do-sol que ela renascia. Mas ele queria o silêncio. Calou o pássaro, calou sua amada, calando-se para sempre.
Conto escrito em conjunto com o amigo Morais, em 08/09/2010
A dimensão da travessia era exasperante. O guarda-chuva, além de pesado, estava cheio de furos. Uma vareta que se desprendeu conduzia a água até seu pulso, invadindo a manga do paletó. O homem atravessava a rua da vergonha, fitando seu próprio olhar no reflexo dinâmico dos espelhos formados pela chuva da noite passada. Sentia-se perseguido, as ruas o olhavam com desprezo e desconfiança. O que ele fez de tão ruim ontem, para ter o olhar cruel dela logo pela manhã...? Ela o olhou de uma forma mais agressiva que o tiro.
Ela já deveria saber da arma. Ele cuidava para que nada estivesse à vista, mesmo quando chegava bêbado do serviço. Ainda assim, ela fingia que não sabia de nada.
O pássaro, que todos os dias vinha dar boa tarde, e a quem ela cuidadosamente espalhava as migalhas de pão, não cantaria mais. Foi o prelúdio da ruína: tudo calou-se. Ela não acreditava nas evidências: sujeira e sangue. O pássaro era seu, um anônimo amante. Aquele que vinha fielmente todas as tardes buscar as migalhas que ela pegava do marido, e que ele tão cordialmente acolhia. E tudo acabou num instante.
Nenhuma palavra. Nada, nem o olhar falava mais. O silêncio era mais cortante que o mais agudo dos gritos, perdurou tanto tempo que ele se esqueceu. Apenas vagava sem rumo, escutando o barulho das poças pisoteadas. O céu chorou durante toda a noite, mas ela não derramou uma lágrima. Não precisava.
Ao passar pela pecuária, viu alguns pássaros na gaiola. Então entendeu! Ao matar o pássaro, foi a ela que matara. A alegria que ela tinha vinha do canto das tardes. Era no pôr-do-sol que ela renascia. Mas ele queria o silêncio. Calou o pássaro, calou sua amada, calando-se para sempre.
Conto escrito em conjunto com o amigo Morais, em 08/09/2010
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